10.7.13

«Hotel Praia, Quarto 508» de Manuel de Freitas

A praia deixa sempre uma espécie de saudades aos turistas, por mais ocasionais que sejam. Desde sempre, são conhecidas as tradições de famílias ribatejanas que veraneiam, ano após ano, na praia. E além de saudades de Verão, ficam também olhares peculiares, simpatias, quem sabe se rebeldias nos dias do calor e dos escaldões. Enfim, visões de uma terra que não sendo distante é desfrutada apenas no estio. 
Um desses filhos de famílias que seguiam o caminho da praia, rasgando a lezíria, Manuel de Freitas, regressou «trinta anos depois» e escreveu, a partir de um varanda do Hotel Praia. O poema está publicado no livro «Pedacinhos de Ossos», editado pela sua editora Averno, uma espécie de súmula de leituras a análises sobre livros e/ou poetas.



Hotel Praia, Quarto 508
Para a Inês 


I

São ruas que vão até ao mar, abruptamente
- ou é o mar que, desde sempre, nelas
encontrou morada? Indiferentes a esta pergunta
ociosa, as mulheres falam de casas, discutem
preços e amarguras, alugam barracas por um dia. 


E vestem-se de luto ou de cores tão improváveis
como Deus, enquanto distribuem bênçãos,
pequenos rancores, rios de ouro sobre o peito.
Será talvez um modo atávico de exorcizarem a fome
nas casas que não têm mas alugam, sentadas junto ao mar.

Não sorriem nunca, por excesso ou falta de razões.


II

Não esperava, trinta anos depois, reconhecer
a Nazaré. Igual a sim mesma, fintou o progresso
no desmando da morte e no cheiro seco
dos carapaus jacentes (só um gato preto, sem
jeito para o negócio, foi poupado ao extermínio). 

Diferente é apenas vê-la agora desta varanda,
contigo ao lado, e perceber a alegria que
irmana dos telhados e balcões, sob os farrapos
de uma língua apátrida que nem o amor
nem o mar conseguiriam devidamente pardonner

Um homem de fato completo deixou-nos ver a lua.


III

Há quem veja na sereia, que um dia se cansou,
razão suficiente para tantas mortes.
E há quem desça sem temor as escadas que vão
do Forte ao rochedo do Guilhim. Nós, menos
confiantes, olhávamos as grutas, escolhíamos pedras. 

Conchas com água dentro, recentes pedacinhos de ossos.


IV

E era como se caminhássemos sobre a lua
e o vento de Agosto nos juntasse lado
a lado, quando já não há degraus.




Pedacinhos de Ossos
Manuel de Freitas
Averno, Lisboa, Novembro 2012

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