15.1.14

«Quando o Mar fala» de Joaquim António

Cada um dos nativos que vive frente ao mar tem um olhar largo, quer esteja no paredão frente ao mar, quer esteja para lá da linha que recorta o azul do verde. E dentro de cada um desses indivíduos da praia há uma vontade de espalhar o que sabe sobre as artes de pesca, os galeões e os naufrágios, as redes, os pescadores ou os artistas da praia. 
Um desses mestres era Joaquim António, um da última geração de lobos do mar. Esquim Tonh armazenou dentro dele muitas vidas e no livro que publicou, pouco tempo antes de deixar o número dos vivos, dá a conhecer artes tão diversas como a pesca nas traineiras, a arte do espinel, o nome dos galeões e dos botes, mas também as alterações com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia ou a vida dele próprio Joaquim António, pescador e profissional da marinha mercante nos navios que atravessavam mares «desde o glaciar Árctico ao Antárctico». 
De entre os lobos do mar, amigos e artistas que o autor lembra, há também «O Poeta pintor nazareno» Mário Botas. 
Joaquim António ele próprio era um artista pela maneira como tratava os amigos e como celebrou a vida, quer à mesa a brindar, quer a escrever sobre a praia.



O verdadeiro marinheiro


Barra fora vida incerta
na gávea vigia alerta
dos lugres bacalhoeiros
Não há só um rosto triste
a bordo tudo persiste
ás fainas de dias inteiros

De vez em quando a guitarra
geme de lento bizarro
numa imagem de saudade
e o lugre ainda em mágoas
segue inforado nas águas
sem a ambição nem maldade

Na Gronelândia gelada
cruel e temendo a cilada
que os icebergs nos trazem
tudo à nossa volta é gelo
que panorama tão belo
só para se ver de passagem

Custa o sono e as mão gretadas
horríveis fortes nortadas
e a morte ás vezes também
em prol do teu lavor
seja bem dito ao pescador
filho desta pátria mãe

Então nem a nostalgia
nos lembra durante o dia
a saudade que nos assusta
por ser longo o dia é mau
há quem coma bacalhau
sem saber o que lhe custa



Quando o Mar fala
Joaquim António
ed. autor, Nazaré, 1999