12.4.17

Os pés-descalços e os pés-calçados

Vale mais tarde que nunca, diz o ditado. E ter nascido escritor aos 72 anos, não é tarde. É no tempo que é ou que tem de ser. Álvaro Laborinho Lúcio, nazareno, ex-ministro, ex-presidente da Assembleia Municipal da Nazaré, ex outras coisas de estado e de responsabilidade públicas, escreveu já dois livros (um deles com a Nazaré como pano de fundo). E o Jornal de Letras acaba de publicar uma Autobiografia. É de ler!

Na primeira vez que nasci havia guerra. Na minha terra, Nazaré, havia fome. As pessoas dividiam-se em pés-descalços e pés-calçados. Os miúdos descalços vestiam camisola de escocês esfiapado e andavam nus da cintura para baixo. Eu usava calções. Quando chegou o tempo de aprender a ler, a escrever e a contar, o meu pai mandou-me para a Escola dos Pescadores e eu fiquei colega dos pés-descalços. Aí, ao princípio, nascia todos os dias um bom bocado. Acho que foi nessa altura que nasceu por dentro a parte mais funda de mim. Nasceu e ficou lá.

Álvaro Laborinho Lúcio
Entre as linhas
JL-Jornal de Letras, nº 1214, 12 abril 2017

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