14.5.16

Verso branco, táctil, ondulado

É profícuo o olho de Miguel Torga sobre o país. De norte a sul, escreveu poemas, traçou diários, contou o que sentia ao olhar a terra, o céu e o mar. Não é um autor de consensos, embora a Portugalidade e noção de pátria se revelem nas citações que dele são feitas pela inteligência luso-literata. Fartou-se de escrever, este médico de nome Adolfo Rocha, nascido na aldeia transmontana S. Martinho de Anta, Sabrosa, para lá do rio Douro. E desde que faleceu, em 1995, já reuniram várias vezes as obras, quer de prosa quer de poesia.
Um dos mares por onde andou, deixou-o escrito, sobretudo nos volumes de Diário. A Nazaré surge, pelo menos desde a Páscoa de 1943, a ela voltando muitas vezes. Escreveu poemas, inclusive «Mar» um poema dramático, assinalou na diarística olhares sobre os costumes ou os pescadores.
Atente-se nalguns poemas:


Nazaré, 13 de Agosto de 1969

Entardecer

Longa sutura a unir
A voz do mar
E o silêncio da terra,
A estrema do areal
É um verso branco, táctil, ondulado;
Cansado de brilhar,
O sol desce e coalha
Em acres e vidradas cantarinhas;
Deitada à sobra da sua beleza,
Uma Vénus humana, semi-nua,
Purifica a impureza
A olhar as vagas onde o céu flutua.


Nazaré, 2 de Janeiro de 1944

Canção

Mar morto da minha vida
Com ondas baixas, humanas;
Eira de palha batida,
Já sem grão e sem praganas...

Aquece-o, triste, sem brasas,
O frio sol de Janeiro;
E andam gaivotas sem asas
A boiar no atoleiro.


Poesia Completa I & II
Miguel Torga
Circulo de Leitores, 2002

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