6.9.17

Testemunhos para entender Redol

Para que se compreenda melhor a história literária de Alves Redol e as incursões que fez quer em Vila Franca de Xira, quer no Freixial ou na Nazaré, é preciso escutar quem com ele partilhou os dias numa «amizade sem esforço». Os testemunhos reunidos dão um volume muito curioso da vida e da obra do autor de «Uma Fenda na Muralha». Partindo das gravações feitas com «as pessoas simples, quase analfabetas» que conviveram com Alves Redol, os dois organizadores desde livro revelam um indiscutível mundo para que se perceba melhor a forma de Redol abordar o quotidiano que o perturbava. Neste livro «Alves Redol, testemunhos dos seus contemporâneos» estão o compositor Zeca Afonso, a escritora Matilde Rosa Araújo, Raul de Carvalho, Sidónio Muralha, o pintor Rogério Ribeiro, e tantos outros escritores e artistas plásticos, ao lado de gente anónima que aqui ganha relevo pela experiência que revela: Abel da Silva, amigo de Redol no tempo em que este percorreu as ruas estreitas que vão dar ao mar, o pescador Manuel Vagos que foi seu assitente técnico regional para o argumento do filme «Nazaré» de Manuel de Guimarães, Raimundo Ventura que neste livro lhe dedica um poema, além de um capítulo dedicado aos depoimentos recolhidos na Nazaré, em que se salientam os nomes de Brígida de Jesus Fialho, Rosa da Galiana, Francisco Gandaio, Diamantino Peixe, João Vaz «joaninha», entre outros. São mais de 500 páginas organizadas por Maria José Marinho e António Mota Redol que alimentam a obra de Alves Redol.

- Era na taberna do António Aleluia que essas coisas se falavam. Recorda-se disso?
- Recordo. Era ali que as coisas se falavam.
...
- Quando foi para ler o livro Uma Fenda na Muralha, o Manel esteve lá...
- Estivemos. Ele lia e nós víamos se realmente estava concreto.
- Ele até corrigia?
- Às vezes alguma coisa que nós dizíamos ele corrigia.
- Como é que o Manuel Vagos conheceu o Alves Redol?
- Foi por intermédio do Abel. Apareceu aí e o Abel indicou-me a mim p'ra eu andar com ele, mostrar-lhe umas certas coisas. Mostrei-lhe umas certas coisas e ele disse que não era aquilo que queria ver, que queria ver era casas dos pobres. E eu então levei-o a todas as casas pobres que existiam, até cagonas aí no meio dos caixilhos, através da bandeira do sítio, só aonde é que havia miséria e era isso que ele gostava de ver. E foi tudo isso que eu percorri com ele.

(excerto da entrevista ao pescador Manuel Vagos)

Alves Redol, testemunhos dos seus contemporâneos
org. Maria José Marinho e António Mota Redol
ed. Caminho, 2001

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